2.11.10

Comi no melhor restaurante do mundo. Será?

São Paulo – 1º de Julho – 4h30

O relógio desperta e, ainda tonto de sono, eu alcanço o laptop na cabeceira. Há exatamente 4 dias eu tinha descoberto que o Noma, eleito melhor restaurante do mundo, abriria suas reservas para exatamente as datas em que eu estaria em Copenhagen. O site entraria no ar a partir das 10 da manhã, no horário deles. E ter descoberto isso tão por acaso e tão perto do início das reservas era um sinal de que valia a tentativa. Alguns minutos depois de entrar na página do restaurante, escolher um dia e horário, eu recebia o e-mail de confirmação. Voltei a dormir sem pensar muito no que aconteceria daqui 4 meses.

Copenhagen – 16 de Outubro – 13h30

Depois de uma caminhada pelo bairro de Christianshavn, eu chego à beira do canal de onde é possível ver o bonito porto de Copenhagen. É ali, em um antigo galpão reformado, que fica o Noma, já bastante badalado na Escandinávia bem antes de ser eleito melhor restaurante do mundo. Isso porque o chef René Redzepi abriu o restaurante tendo no currículo passagens pelo El Bulli e pelo The French Laundry. Com o Noma ele queria resgatar as tradições da comida nórdica e ajudar a colocá-las no mapa gastrônomico mundial. Com direito a manifesto e tudo. E, claro, uma obsessão quase doentia pelos detalhes e o uso de ingredientes frescos e escandinavos (incluindo Islândia, Groelândia e até a Lapônia).

Já as minhas pretensões com o Noma eram bem mais modestas. Sem ter referências de restaurantes dessa magnitude no MEU currículo, eu estava lá com apenas uma pergunta na cabeça: será que a experiência nesse lugar pode ser considerada por alguém como a melhor do mundo? Francamente, eu acho um pouco bobagem essas competições em que o gosto pessoal pode fazer toda diferença. Melhor restaurante, melhor museu, melhor banda… Mas eu já estava lá, onde muita gente daria um braço para estar, então alguma lição tinha que tirar daquilo tudo.

Foi por isso que tentei aproveitar ao máximo o almoço. Daí que não me importei em anotar todas as descrições dos pratos (e me arrependi um pouco depois). As descrições ou nomes, em inglês abaixo das fotos dos pratos principais, foram tiradas do próprio site do restaurante. Já as minhas vão até onde a memória alcança.

Lá você pode escolher entre um menu-degustação de 7 ou 12 pratos, sendo que o segundo, além dos pratos da estação, traz também alguns pratos clássicos do restaurante. O problema é que, independente da escolha, o almoço precisa acabar antes da 16h30. E a minha decisão pelo menu mais enxuto acabou, apesar de dolorosa, sendo acertada. Acabamos de comer exatamente no horário, com espaço para bastante bate-papo. Se tívessemos optado pelo menu completo, provavelmente teria sido uma correria, o que, com certeza, atrapalharia todo o clima. E havia ainda a opção por um wine menu ou um juice menu. É, mais uma vez a escolha óbvia foi descartada, e eu acabei ficando só no suquinho. Todos também harmonizando com os pratos. E confesso que os sabores eram um pouco estranhos pra quem está acostumado com acerolas, cajás e congêneres. Um dos sucos tinha até um gosto bem salgado.



E aí chegamos, finalmente, à comida. Primeiro com as entradinhas.


Entrada 1. Mas onde???

Quando eles colocaram aquele vaso de flores na mesa, claro que imaginei que era algum tipo de decoração. Mas não. Era a primeira entrada. Aquela florzinha alaranjada, que ainda trazia dentro dela uma espécie de caracol cozido. E, logo em seguida, mais algumas flores comestíveis da região


Aqui ó!


Se alguém um dia lhe oferecer flores... coma!

A terceira entrada era uma espécie de “sanduíche”, sendo que a parte de baixo era feita de pele de frango frita e a de cima de pão de centeio. O recheio eu não me lembro do que era. Sorry, pessoal.


Sanduíche de não sei o quê

Depois, um dos pratos mais gostosos do almoço. Ovos de codorna cozidos. Mas o twist carpado está naquela palha onde os ovos estão. Ela vem em chamas e a fumaça deixa um incrível gosto de defumado na comida. Delicioso.



Se vocês repararem na foto anterior, atrás dos ovos de codorna está um pequeno vaso de barro. Ali estão as entradas seguintes do almoço: pequenas cenouras e uns tubérculos enterrados em uma inacreditável terra comestível.


Comida e terra fresquinhos

A última entrada era um mix de 7 ou 8 ervas escandinavas num tipo de canapé. E, outra vez, o delicioso e improvável sabor de tantas folhinhas juntas me fez esquecer o restante dos ingredientes do petisco.



E aí começam a chegar os pratos principais.



O primeiro é um leve creme de alface com lascas de uma amêndoa. Gostoso mas bem abaixo do que já tinha experimentado e do que ainda viria pela frente.


Dried scallops and watercress. 
Biodynamic cereals and beech nut.

As vieiras desidratadas com um cereal que lembra um arroz um pouco mais durinho e um molho de agrião foi o segundo prato.




Oyster and the sea.

Em seguida, foi a vez de uma ostra. Apesar da apresentação que impressiona, a parte da comida é só mesmo a que está dentro da ostra. Mas ajuda de um jeito bem interessante a realçar o gosto de mar do prato.


‘Læsø’ onion. 
Onion cress and thyme.

Depois vem o prato que é uma mistura de diferentes tipos de cebola da região. E, sempre, mais ervas.

Apesar da simplicidade, a preparação e o resultado fazem do quarto prato um dos mais interessantes.






The hen and the egg.

Uma pequena frigideira de aço é trazida à mesa e nela é colocado um óleo fabricado no próprio restaurante. Depois você é convidado a quebrar um ovo de galinha na frigideira. Isso, você paga uma baita grana e ainda tem que cozinhar. Tudo parte da experiência. Depois de 1 minuto, contado em um cronômetro que eles fazem questão de trazer à mesa, é a hora de cozinhar algumas folhas de espinafre e cheiro verde em um pouco de manteiga de ervas. E esse prato poderia ser facilmente feito em casa, se não fosse o detalhe final: um queijo espumoso da Suécia que eles despejam completando a magia.



Em seguida é a vez de um peito de pato selvagem - caçado, não criado - com lascas de maça cozidas. Meu prato preferido de toda essa degustação.


Hay and chamomile
. Sorrel and wild herbs.

O penúltimo é um queijo meio cremoso, meio espumoso com uma gelatina de camomila. Também muito leve, delicado e saboroso. Só não sei té agora se era o último prato quente ou se era a primeira sobremesa.


“Gammel dansk”
. Milk and woodsorrel.

Chega a primeira (segunda?) sobremesa: um sorvete feito com uma bebida tradicional da Dinamarca, Gammel Dansk (O velho dinamarquês), umas espécie de licor tomado até no café da manhã. Ele vem escondido entre essas lascas de leite congelado e mais algumas ervinhas.

O que vale dizer é que todos os pratos tinham gosto, textura e consistência de comida de verdade. E todos eram realmente deliciosos. A ciência de cozimentos e preparações fica na cozinha e na descrição dada pelos chefs em treinamento, que vêm à mesa apresentar uma a uma as criações. No prato só vinha sabor em belas apresentações.


E pra terminar...

Mas então voltamos à pergunta: alguém pode chamar o Noma de melhor restaurante do mundo? Ah, com certeza, sim. Porque você sente o cuidado extremo com a comida e o sabor. E experimenta a todo momento a surpresa, o inusitado. Como o petit four servido no finalzinho do café: um caramelo defumado encaixado em um osso. Valeu a pena acordar às 4h30 da manhã para fazer uma reserva de restaurante.

4 comentários:

Reca disse...

Show...

Cam Seslaf disse...

Bueno, o que eu acho é o seguinte. Adoro restaurantes experimentativos, acho muito lúdica a gastronomia molecular, já fui a alguns e continuarei a ir, sempre que possível, mas isso não é a melhor comida no mundo, na minha opinião. Não pode ser. Comida, para mim, pressupõe afetividade. Isso aí é puro cérebro, e god knows eu adoro um bom cérebro rs, mas não vejo muita alma nesse tipo de culinária. Empolga, mas não emociona. Bato palminhas a cada prato, mas não suspiro nem gemo.
Também, e por isso, não acho que essa gastronomia seja comparável à culinária roots, para generalizar tudo num panelão só. O Noma pode ser o melhor do mundo nesse universo dele, mas não será jamais o melhor sobre todos os outros. :-)

l. disse...

Concordo com quase tudo, Dra. Só acho que tem alma, sim. Fui com um dinamarquês no almoço e ele quase chorou lembrando que o seu avô tomava Gammel Dansk, a bebida que vira sorvete em um dos pratos do restaurante. É que as nossas próprias experiências interferem, e muito, nessa avaliação. Como eu disse, alguém pode chamar de melhor do mundo. Mas não é o meu também.

Cam Seslaf disse...

Ah, sim, nessa parte de memórias afetivas não há o que retrucar. Quando eu falo em alma, é intuição versus... hummmm... "cientificismo". Ingredientes laboratoriais, essas coisas. ;-)