4.8.04

Conto(s) de Amor(es)

Ele era apaixonado por galeto. Certo, certo... Com tantas coisas mais interessantes para se apaixonar - literatura, cinema, arqueologia, história natural, etc. - foi se tornar logo um amante de galetos. Um prato que não freqüenta nem as caçarolas de chefs famosos, nem os pratos de exigentes gourmets. Mas com um homem e suas paixões não se discute e ele era louco por galeto. Ao menos não era por qualquer um. Somente aquele assado lentamente na brasa e temperado com as mais frescas e fragantes especiarias. Nunca se atrevera, por exemplo, a tentar ele mesmo preparar sua comida preferida. A simples probabilidade de experimentar seu prato, feito por mãos inaptas, lhe tirava a fome. Por isso, passava dias à procura de novos restaurantes onde pudesse apreciar a carne. Foi em um desses lugares, uma pequena galeteria no centro da cidade, que conheceu Amanda. Era a filha do dono do restaurante que, vez ou outra, ajudava o pai à atender os famintos clientes. E a abrir seus apetites. Tão bonita que apenas uma vez, aquela vez, ele se distraiu da sua comida por um outro motivo. Acabaram se conhecendo, se enamorando e, com o tempo, surgiram os primeiros convites para que voltasse à galeteria. No começo, até se esforçava para pagar as contas mas, diante das constantes recusas, passou apenas a comer, sem outras preocupações. E não saboreiava o acepipe somente por não ter que pagar ou como forma de agradar os parentes de sua namorada. O galeto suculento daquela família realmente figurava no seu "Hall da Fama" de galetos. Palavra de especialista. Assim, depois de muitos galetos passados por seus talheres, acabou se casando com a moça e superaram, até, a primeira crise da união, causada por uma discussão sobre o menu da festa de casamento. Mas, com os anos, ele se deparou com uma dúvida que lhe tirou o sono por várias noites. Numa dessas peças que prega o destino, não teria ele, mesmo que inconscientemente, casado com a bela loira gaúcha apenas pela conveniência que lhe traria para saborear constantemente o seu tão amado galeto? Com Amanda seu prazer era mais fácil. Prendada, aprendera à preparar o assado em casa e ele já não precisava nem mais ir à rua para consumar, e consumir, sua paixão. Quando o sabor caseiro lhe entediava, bastava recorrer ao restaurante de seus sogros. Não gastava mais dinheiro, não perdia mais tempo consultando revistas e guias gastronômicos, não existia mais a preocupação de uma "entre-safra" de galeto. E a dúvida o angustiou até chegar ao cúmulo de mensurar, apontando em uma folha de papel, os prós e contras do prato e de sua esposa. Ao fim do dilema, escolheu deixar sua mulher. Se seu amor não era forte o bastante para decidir rapidamente uma questão estapafúrdia como essa, era melhor não estarem juntos. E percebeu, também, que já era hora de parar de comer os tais galetos.

04.02.03

Um comentário:

l. disse...

Mas eu já sei que ele, como bom gaúcho, faz um churrasco maravilhoso! :))) l.